sexta-feira, 2 de agosto de 2019

Abraçados - Crônicas Vampirescas - Livro 1




Introdução


A guapa acrobata do ar gira e volita sobre o público, lisos cabelos dourados pendidos e longos, rosto luminoso de sorrisos e gliter. Abaixo dela, a estrondosa salva de aplausos após instantes de medo e excitação. O aro metálico é seu refúgio, assim como o trapézio é seu quintal. O espetáculo ilumina a noite preenchendo a desolação com luz e o silêncio com vida. Ela desce ao picadeiro e faz as reverências e mesuras ao público. Seus lábios aquecem o vento e sua alegria irradia claridade.
Em seu camarim-treiler, já trocando a malha por uma roupa comum, Amanda sorri lembrando que faz o que ama, finalmente. O circo é sua casa e está entranhado em sua alma. Sua mente tenta isolar esses curtos mas tão imensos lapsos de felicidade da dura realidade que a espera logo após, quando então o mundo reclama seu direito de ferir e destruir.
A prostituição compulsória, o abuso e a exploração perpetrados por sua tutora reclamam agora seu espaço indigno, mais forçado que consentido, e a menina chora. Chora lembrando os bons tempos em que a antiga tutora a protegia de tudo e de todos. Uma dádiva retirada de sua existência havia alguns anos. A partir de então, dor. Por isso Amanda valoriza esses momentos em que pode ser ela mesma. Contudo, algo está para mudar.
Seu cliente, hoje, é alguém especial. Quando ele entra na tenda armada para tal fim, ela sorri. Não é alguém comum, embora ela não saiba nada sobre ele. Tudo o que ela sabe é que, por alguma razão que desconhece, confia nele total e irrestritamente. Seu nome é Siegfried, ou pelo menos foi assim ele se apresentou há alguns meses em uma cidade próxima, durante uma turnê circense.
Naquela ocasião, ela e um dos palhaços compravam comida em um pequeno mercado, e foram hostilizados pelo dono e por um cliente que não gostavam de “ciganos”, o que seria apenas metade do motivo. Ambos também eram clientes do negócio paralelo da tutora de Amanda, o que os fez sentirem-se constrangidos por ter que interagir com a moça na rua. Mas Siegfried estava lá, e os defendeu. Com seu notável sotaque austríaco, se fez ouvir e impôs seu ponto de vista.
Desde ali, criaram uma espécie de afinidade inexplicável e implícita. Durante as apresentações do circo, lá estava ele na plateia. E após, saíam para conversar, quando a tutora de Amanda não a “emprestava” para seus clientes.
Ficaram íntimos, e ela lhe contou sua vida, desde quando fora deixada recém nascida num circo onde a dona, uma senhora europeia, muito bondosa, a criou como sua enquanto vivia. E o que era obrigada a fazer agora, pela nova tutora, que seria a filha mais velha e legítima dessa senhora.
Agora, ele sabia de tudo. Mas ela não sabia quase nada sobre ele, exceto que viera da Europa havia algum tempo.
Siegfried sorri com ternura, e hesita na entrada.
— Que bom que tu veio! — Diz Amanda com entusiasmo.
— Vim te trazer um presente! — Responde.
— O quê? — É a expressão supresa de quem jamais ganhara um presente. — O que é?!
— É tanto um presente maravilhoso quanto uma maldição desesperadora. — Revela.
— Seja o que for, eu quero... — Responde ela, de um jeito emocionado e triste ao mesmo tempo.
— Gostaria de permanecer aqui, em 1972, para sempre? — Pergunta ele, rindo.
— Credo! Não! — Ela ri também. — Mas eu quero teu presente... O que é?!
— A eternidade. — Sussurra Siegried.

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